21.3.10

III - o dia em que Adélia partira

E a partida coincidiu com o dia em que ele voltara a escrever.
Adélia surgiu como um belo pavão branco na janela molhada pela chuva que caia há três dias seguidos. Ele pegou em sua mão e saiu pelas ruas por uma última/primeira vez. Por ora, os sentidos de ambos funcionavam perfeitamente. Mais do que isso, de facto. Mas o Fato, e o que ele nunca imaginaria, é que sua visão estava para sempre comprometida a partir deste dia. O que ela não imaginava é que sua audição não mais funcionaria em um futuro bem próximo e vazio.
Eu poderia ter-lhes avisado, poderia... mas na minha infinita crueldade preferi observar e analisar minunciosamente o decorrer dos fatos;

Ao caminharem pelas calçadas do bairro, Adélia parou subitamente na frente de uma casa grande e com muro baixo, a qual parecia estar vazia. Ao passo que ficavam molhados, o pulsar dos dois ficava cada vez mais ensurdecedor. Para que o barulho não incomodasse a vizinhança, decidiram pular o muro e entrar na casa. Um corredor direcionado aos fundos da mansão os levou a um imenso jardim, muito bem cuidado e protegido por enormes pinheiros e arbustos circundantes. Nenhuma palavra havia saído de suas bocas até que: 
- Teu olhar e teu coração são pesados demais pra mim - blasfemou Adélia.
- Te atravesso com o olhar na esperança de te ver - ele disse com um tom de conformidade na voz.
- Benjamin, não torne isso ainda mais custoso. Eu não tenho escolha, eu preciso partir hoje, agora. 
E observe neste instante, leitor, caso ainda não o tenhas percebido, que apenas Adélia, ninguém mais que Adélia é capaz de chamar o nome d'êle. Eu não ouso mencioná-lo.
Ele não consegue escrever sem música. Ela não consegue ouvir sem o toque dele. Ele não consegue sentir sem a voz dela e ela não consegue falar sem os seus olhares atados. Ou seja... 
Então Adélia partiu. Ele manteve-se ali, no jardim, até a chuva acabar. Me disseram que a chuva só acabou após mais três dias, mas a verdade é que ela nunca cessou. Que sorte que os donos da casa estavam de férias.  
Ah, mas tu que estás a ler isso agora já sabes o que acontece. Adélia voltou três anos depois e alguém foi salvo. Alguém será salvo. Mas disso Eu não sabia.
E olha... Eu sei de tudo. Tudo (risos). 

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Um comentário:

aluah disse...

teu blog tá lindo! eu queria o meu lindo mas não consigo fazê-lo lindo ¬¬
estarei por aqui.
bjs

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